quinta-feira, 12 de novembro de 2009

NÃO SE TRADUZ ...

Como traduzir um nome próprio? Paulo Ottoni. Seria preciso dizer de seu percurso e da pessoa discreta e generosa que foi. Dizer de seu silêncio e do intraduzível da sua ausência tão prematura quanto inesperada. Seria, ainda, preciso dizer da paixão pelas desconstruções e pelos paradoxos da tradução.

Dizer de sua dedicação contínua, nos últimos 15 anos pelo menos, sobre a relação entre tradução e desconstrução, trazendo para os estudos da linguagem, em geral, e da tradução, em particular, uma relevante contribuição acerca do acontecimento da língua e de uma teorização sobre a significação. A tradução, ele a concebia como acontecimento ligado à apropriação da língua do outro; de seu idioma, ele diria junto com o amigo Derrida, cuja influência não pode ser negada. Mas como traduzir tudo isso na instituição universitária tão resistente às mudanças?

Aqueles que puderam partilhar cotidianamente de idéias tão fortes quanto instigantes, precisariam dizer da relevância de sua reflexão para a pesquisa e o ensino de tradução; de um lado, porque ela traz uma importante crítica acerca do legado deixado pela ciência lingüística em termos de questionamentos sobre a significação em geral e sobre a tradução em particular; de outro, porque, a partir da relação tradução/desconstrução, que ele soube muito bem ler e reinventar em português, confronta a tradição lingüística, indicando os seus limites teórico-metodológicos para lidar com a intervenção do sujeito, sua interação na e com a língua na constituição de sentidos.

Seria preciso dizer, ainda, que, na sua busca laboriosa do lugar institucional da tradução, soube, com simplicidade e sem vaidade, cultivar, ensinar, discutir o acontecimento da tradução e das desconstruções no horizonte do impossível; desde a sua pesquisa de tese que já tratava de uma dimensão performativa da linguagem em que discute Austin e Derrida, passando pela sua reflexão sobre a tradução até a sua investigação mais recente do texto derridiano, abordando a relação entre tradução e desconstrução, mais diretamente ligada à questão do idioma e da identidade.

Na sua reserva habitual, e nunca sem paciência, soube como poucos suportar o intraduzível, as resistências institucionais e fazer os textos da desconstrução sobreviverem em português na tradução. Por tudo o que foi e representou – e que não se traduz aqui –, ao mestre e amigo é preciso afirmar uma eterna gratidão.

Élida Ferreira
Ilhéus, 02 de abril de 2007

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